O Sarau de ontem foi ótimo. Um grande grupo, com executivos, empreendedores, consultores e curiosos em geral. Sala cheia de boas histórias.
O tema foi Cultura Organizacional e Inovação e as moderadoras fomos eu, Luciana Annunziata da Dobra e Silvana Aguiar, da Antar Consultoria.
Começamos a partir de um lindo texto do romance De Repente, nas Profundezas do Bosque, de Amos Oz em que os lenhadores passam a seus filhos um antigo saber: “nunca, mas nunca mesmo, de maneira alguma, mas de maneira alguma mesmo” era permitido entrar na floresta durante a noite, pois Nehi, o demônio, vivia ali.
Então começamos explorando a inovação como esse lugar escuro, em que lidamos com a incerteza, algo que tentamos ancestralmente evitar. O medo de arriscar é passado de pai para filho, permeia nossa vida em diversos campos e o ambiente de trabalho é somente mais um lugar onde esse medo se manifesta.
Silvana colocou então a questão que guiou sua tese de doutorado: Que ecologia é essa que dá condições para que a inovação aconteça?
Uma das maneiras de entender essa ecologia é compreendendo o discurso que a permeia. O discurso revela o modo de viver da organização, revela os valores e crenças arraigados na cultura. Além do discurso, a leitura dos símbolos é fundamental, pois eles possibilitam e representam os pactos existentes na organização. A inovação se baseia nesses pactos.
Muitas histórias serviram como exemplo. Silvana contou do susto dos gestores ao serem convidados para uma reunião com comes e bebes na sala da presidência da Embraer, onde eles nunca haviam entrado. Era um símbolo. Contei a história do time sênior de P&D da Kibon e da observação que fiz do modelo de trabalho deles quando a empresa foi comprada pela Unilever. Era um time silencioso, mas que conversava e ria para definir a estação de rádio que seria selecionada. Era o rádio mais importante da empresa!
Luiz Butti veio com um contraponto, tinha ficado com a história da escuridão do bosque na cabeça. “Mas inovação é medo do escuro ou frio na barriga?” e foi complementado pelo Diego Dutra “é paixão!”.
“É uma cultura coerente em movimento”, disse a Silvana. Há empresas com uma cultura muito coesa, mas sem essa energia apaixonada que move a inovação. Ela deu o exemplo da Promon, com sua cultura de “alinhados briguentos”. Na análise de discurso dessa empresa, a palavra reinvenção era uma das que mais surgia. “E de onde vem a inovação?”, perguntava ela, “Sei lá, Silvana, vem das paredes”, respondiam eles.
Então a inovação tem ao mesmo tempo esse componente de medo, de frio na barriga e de paixão. Pra entrar nessa floresta, precisa estar bem acompanhado, e ter coragem, daí a necessidade de um mínimo de coesão cultural. “Você não vai entrar na floresta com alguém que acabou de conhecer”.
Caspar complementou: “a cultura de inovação é diferente em cada empresa, não dá pra copiar. A necessidade de inovação vai ser diferente dependendo do tamanho e do nível de maturidade da empresa, além do setor em que ela atua.” Quanto mais madura a empresa, mais difícil de manter viva a cultura de inovação. “What got you here, won´t get you there.”
Além disso, se a empresa está num setor ultra-dinâmico, como o de Telecom, ou o varejo, a inovação estará sempre no encalço. Não há tempo para cristalizar práticas e produtos, ou pelo menos o risco dessa perda de maleabilidade é enorme.
“Por que inovar nesta empresa neste momento?” Essa é uma pergunta fundamental, pois a inovação é totalmente contextual. Para entrar nessa floresta, é preciso que tenha sentido.
“E é necessário entender o processo de inovação. São habilidades diferentes a cada etapa e o que foi útil na criação, pode não ser necessário na implementação”, coloquei. Então a cultura de inovação lida com os paradoxos, vive num estado de jogo entre a estabilidade e a instabilidade, entre saber criar e saber analisar e implementar, entre ser estrutura e ser rede. A cultura de inovação sabe habitar esses dois lugares ao mesmo tempo.
E como isso acontece na prática sem que tudo vire uma grande confusão?
É preciso conversar sobre inovação para esclarecer o seu significado específico na organização. A conversa é o que faz o sistema vibrar. Segundo Humberto Maturana, nós vivemos as nossas conversações e elas ditam o que podemos perceber. São a própria energia que alimenta aquela ecologia que a Silvana colocou no começo da conversa.
“O ambiente de trabalho inovador é o que permite vida”, diz Silvana. Eu diria, é o ambiente que pulsa nas conversações.
E onde acontece esse pulsar? Não somente quando verbalizamos. Falamos um pouco da teoria U que se apóia muito no poder da meditação e agora lembro do filósofo Gilles Deleuze com sua famosa frase “eu não me mexo muito para não espantar os devires.” A inovação é esse futuro que vai chegando, mas que precisa ser percebido, seja nas conversas, seja nas pausas.
Então a cultura de inovação tem ritmo. É apaixonada, mas sabe pausar. Conversa, mas sabe focar. Gera negócios, mas também se questiona sobre seu modelo de negócios.
“E até onde vai essa cultura, quais os limites da organização nesse caso?”, pergunta alguém.
Ah, todos concordaram, essa é uma organização que transborda.